sexta-feira, 30 de março de 2018

Spartacus (1960)

De todos os filmes que já vi de Stanley Kubrick, Spartacus é o que menos parece um Kubrick. Primeiro porque, na verdade, era o filme de Kirk Douglas, ator principal e produtor executivo, segundo porque começou dirigido por Anthony Mann, com quem Douglas brigou por diferenças artísticas na concepção do filme e só então chamou um ainda jovem Stanley Kubrick para a direção, que aliás também teve discussões com Douglas quanto ao direcionamento do filme, mas acabou tendo que se submeter ao ator, depois disso Kubrick teria tomado a resolução de somente fazer filmes em que ele tivesse amplo controle criativo.

Isso não tira o mérito do filme de ser uma verdadeira obra de arte, nem de seu diretor pelo brilhante trabalho. Um épico histórico com mais de três horas de duração, produção impecável e efeitos especiais decentes, principalmente considerando que foi feito quando nem se cogitava computação gráficas nos filmes.

O filme conta a história de Spartacus, nascido escravo é vendido para ser treinado como gladiador, na sua primeira luta até a morte é polpado por seu oponente Draba que é morto por sua insubordinação, tal piedade inflama Spartacus que começa uma rebelião de escravos em busca de liberdade que irá abalar os alicerces de Roma. Para além desse conto épico, também é um filme político ao explorar o jogo de poder no Senado Romano, principalmente entre o Senador Gracco e o General Crasso, oponentes políticos, o primeiro interessado em manter a República a qualquer custo ainda que tenha que tomar atitudes questionáveis, o segundo sonha com uma Roma purificada com ordem, fé aos deuses e livres de corrupção, para isso sonha com o poder concentrado na mão de um líder forte (ele mesmo claro). 

Um jogo político que pode ter muito a dizer ao nosso país. Numa das falas mais poderosas do filme o Senador Gracco, busca alertar o senado das intenções tirânicas de seu rival Crasso, quando um dos senadores argumenta que Crasso foi um dos poucos que jamais cedeu a corrupção ele responde: "Prefiro um pouco de corrupção republicana com a liberdade republicana do que tirania de uma ditadura e liberdade nenhuma". Ao fim, Crasso usará a rebelião dos escravos para incitar o terror em Roma e dessa forma se apresentar como o salvador ao concentrar sobre si todos os poderes dando o primeiro passo do viria a se tornar o império dos Césares. Caio Julio César que viria a se tornar o primeiro dessa linhagem aparece no filme como coadjuvante. 

Obviamente que Roma era um república só para os seus patrícios, para todos os demais era mera tirania, principalmente para os escravos. O filme busca mostrar como eles eram tratados como meros objetos de exploração cujas vidas estavam a disposição dos patrícios até mesmo para entretê-los onde entra as batalhas dos gladiadores. Após a rebelião os escravos são humanizados, passam a ter sonhos, aspirações por liberdade, a irmandade que estabelecem entre si é quase idílica, sem atritos, brigas ou traições. A essa sociedade comunitária é aposto os jogos de interesse político de Roma. 

Spartacus ganhou os Oscars por Direção de Arte, Fotografia e Figurino, merecidíssmos, fora a caracterização belíssimas dos personagens o filme nos brinda a todo momento com cenas de grande beleza, algumas verdadeiros quadros renascentistas em movimento. As cenas de batalhas são em escala épica, impressionantes mesmo hoje em dia.


E para quem é fã de Kubrick vai impressionar também o caráter emocional do filme. Para um diretor tão cerebral e pouco afeito a trabalhar as emoções humanas, pelo menos, as boas emoções humanas como amor, a fraternidade e o altruísmo, Spartacus é um oportunidade única para vermos um Kubrick mais emotivo. Provavelmente, muito disso teve a mão de Kirk Douglas interferindo na visão do diretor. Mas mesmo assim, são momentos belíssimos e comoventes, como a cena final (ALERTA SPOILER) quando vemos um Spartacus crucificado olhando pela primeira vez o rosto de seu filho.

Um grande filme (em todos os sentidos) que vale a pena ver. 

terça-feira, 20 de março de 2018

Maria Madalena

A iniciativa de filmar uma história de Cristo do ponto de vista de Maria Madalena basta, por si só, para ser polêmica. Afinal, o novo filme de Garth Davis (diretor de Lion) é uma história de Cristo, no fim das contas. O filme busca uma nova visão para uma das mais injustiçadas figuras bíblicas. Erroneamente tratada, durante séculos, como prostituta redimida por Cristo e constantemente confundida com a prostituta salva do apedrejamento por Jesus. Cena clássica que é sequer mencionada nesse filme. 

O diretor nos apresenta uma Maria Madalena de grande sensibilidade e empatia que se sente deslocada no papel que lhe é designado pela família, a obrigação de casar e ter filhos. Esse deslocamento faz sua família acreditar que a mesma esteja possuída por demônios o que os fazem chamar o curador que passava na região, Jesus. O encontro dos dois é o ponto culminante para que Maria decida deixar tudo para trás e seguir o Rabi. Em momento nenhum ela esclarece para alguém ou para si mesma o porque de seguir aquele homem, ela somente sabe que sua antiga vida não é mais o suficiente.

Filmes de Cristo optam geralmente por duas vias: a polêmica ou a fidelidade aos textos canônicos. Maria Madalena opta pelo caminho do meio. Evita polêmicas ao estabelecer um relacionamento essencialmente platônico entre Madalena e Jesus, ao estabelecer ela como uma figura frágil e ao mesmo tempo firme, mas jamais roubando o protagonismo do Mestre, humaniza a figura de Cristo, mas não nega ou sequer põe em dúvida sua divindade, nesses termos é um filme conservador. Por outro lado, é um filme que não se prende ao ar devocional e dogmático tradicional dessas narrativas. Os milagres são representador com menos solenidade, a clássica imposição das mãos, as frases de efeito, o clássico "tua fé te curou" são trocados pelo toque, o abraço, o olho no olho, o sorriso ou as lágrimas. Abundam os momentos contemplativos, as paisagens ermas e o silêncio, já as passagens bíblicas clássicas quando não desconsideradas são passadas brevemente quase com desleixo, a entrada em Jerusalem, a Ultima Ceia, até mesmo a crucificação são repassadas as pressas, mais para cumprir tabela do que para realmente preencher a história, provavelmente porque ao final do filme, fica claro que nada disso tem importância.

Talvez o ponto mais polêmico e melhor do filme seja o seu final. Já é clássica a narrativa de Maria como a primeira mulher a ver o Cristo Ressuscitado o filme a mostra como a única. E também a única a compreender a verdadeira mensagem do Mestre. É somente ela que vemos fazendo perguntas ao mestre, a única buscando-o em seus momentos de sofrimento silencioso, a única a realmente lhe fazer gestos de amor e misericórdia. Os homens, com destaque para Pedro e Judas, o vêem como um líder de uma revolução, cada um já fazendo sua própria imagem do Messias, mas nunca parando para ouví-lo. Eles vêem o Jesus que querem ver. Ao fim após a ressurreição Maria ainda tenta uma última vez explicar-lhes a mensagem de Cristo "O Reino do Céus está em nós", mas é rejeitada e quando Pedro lhe anuncia que eles irão continuar a espalhar a Mensagem, Maria retorque "A sua mensagem, não a Dele", na única grande cutucada que o diretor faz a toda a Igreja Cristã de base patriarcal.